terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Recaída


A janela denuncia: é um dia nublado, lá fora e aqui dentro. Fui dormir tarde da noite e consequentemente arrastar meu corpo pra fora da cama parece um sacrifício insuportável. Tá tudo embaçado dentro do quarto, meus óculos sumiram em baixo da pilha de roupas limpas que eu ainda não guardei. Encontro o óculos e uma carta perdida no canto da escrivaninha. Caligrafia impecável, umas verdades frágeis, e no final da folha, letras maiores ditam uma promessa vazia: forever

O gosto do café se mistura com o gosto amargo das palavras borradas lidas enquanto eu tentava acordar de um pesadelo, mesmo sabendo que já estava de olhos bem abertos. O relógio me avisa que coração partido não entra na lista acidentes que podem te afastar do trabalho. Ainda tenho compromissos.

No caminho, um chiclete de morango perdido dentro da bolsa tira o gosto ruim da boca, mas leva todo o azedume pro resto do corpo na recordação cinza do primeiro sorvete partilhado, do riso, das confissões. Eu não sei como amar, foi o que ele disse. Eu te ensino, foi o que prometi. Inocentes, o destino previu.

Uma voz irritante pergunta dentro da minha cabeça: foi um erro enorme? A chuva começa a cair devagar, escrevendo discreta no meio do céu: isso não importa, querida.

Não esta tudo tão ruim assim. São os dias. Alguns bons, outros mais ou menos, e alguns como hoje. Dias em que acordo mal dizendo a vida, o sol, o bom humor alheio. Dias em que pego o celular e tateio entre a foto P&B guardada à sete chaves e o número que já teve dezenas de nomenclaturas, hoje arquivado com um apelido, só pra eu tentar buscas duas vezes e dar tempo da razão comandar meus instintos que quase imploram pra que eu ligue. Pra que eu diga que não aguento mais a saudade me apertando. Pra jogar minha dignidade no lixo, e gritar com todo o sentimento que ainda resta: por favor, volta. Dias que acordo redigitando cada diálogo que me fez sorrir, que me fez cegamente acreditar naquelas duas palavrinhas ilusórias.

"Pra sempre" é uma inconstante muitas vezes dolorosa.

O cansaço faz meu corpo ser puxado pelo sofá assim que chego em casa. Dentro de minutos adormeço no meio de uma prece: "que amanhã seja ensolarado lá fora e aqui dentro". Acabo sonhando que o sol permaneceu, todos os dias. E que o destino concluiu de uma vez por todas: ela finalmente o esqueceu. Que assim seja. Amém.

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