terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Mais uma metáfora

Sempre gostei de livros. De ler não, só dos livros mesmo. Quando eu estudava, meu hobby favorito era fingir que ia no banheiro, e no meio do caminho como quem não quer nada, me enfiar dentro da biblioteca. Ficava lá por horas a fio... Bom, na verdade eram só alguns minutos, até a professora  mandar alguém atras de mim. Enfim, eram sempre alguns minutinhos que poderiam não parecer muito para os leitores das obras complexas de 500 paginas. Mas para uma garota que gostava de olhar os desenhos da capa, inventando as próprias historias, era o suficiente. Agia assim com os livros, e com as pessoas.

Pobre garotinha tola, cresceu achando que se deve julgar alguém pela casca. Garoto de xadrez? Deve ser nerd, eu não posso andar com um nerd, vou ficar taxada de nerd pro resto da vida. Aquela menina ruiva deve ser legal, se bem que ruivos são exóticos, e todo mundo acha as ruivas mais bonitas, com certeza ela é um metida. A loira é burra. O tatuado é revoltado. Resultado: virei a zero a esquerda sem amigos.

Trabalho, faculdade, estágio. Comecei a frequentar lugares em que eu era obrigada a me relacionar com as pessoas, mesmo que dentro da minha cabeça alguns pré- julgamentos tentassem me puxar pra longe delas. Mas a vida finalmente resolveu que estava na hora de eu ler alguns livros, e ignorar totalmente sua aparência.Fui gostando de desvendar as linhas por trás de cada rosto. Me desprendendo das manias infantis. Entendendo que o que você parece, não é o que parece. Resultado: conheci pessoas incríveis.

Minha melhor amiga é loira, facilmente confundida com alguma panicat, engraçada e inteligente. Meu namorado usa alargador, tem tatuagens pelo corpo e me manda uma musica mais doce que a outra pelo skype durante o trabalho. Digo bom dia a estranhos na rua. Puxo conversa com a mãe solteira que vai na mesma lavanderia que eu. Notei depois de muito tempo, os meus julgamentos eram um disfarce pro meu ego grande demais pra deixar que alguém ousasse se aproximar da minha magnitude. Que bobagem sem tamanho.

 Os livros estão aí pra que a gente leia cada estrofezinha e descubra se vale a pena ir até o ponto final da ultima pagina.  Ou até o ultimo adeus. Pra mim, pessoas são como os livros, bonitos na estante, assim, só pra olhar de longe. Mas ainda melhores quando lidos. Ainda melhor quando vividos.

O complexado semanal

Quarta feira se despediu. Não foi um "até logo", "até breve" ou um "nós vemos semana que vem". Ela realmente disse adeus. Cansou de não ter um motivo para continuar, todos tinham objetivos, e ela sempre sofreu por não saber o dela. Terça e quinta até tentaram faze-la desistir, sempre tão próximos, os três eram realmente amigos. Mas quarta estava decida a ir embora.

Domingo logo soube da noticia, ele que sempre estava deprimido e carente, logo se compadeceu, " para alguns eu ainda sou o dia do Senhor, e quarta? O que é?". Essa era a pergunta que ecoava na cabeça de quarta, o que ela era? Não existia um único dia do ano em que todos dissessem que mal podiam esperar pela quarta. A unica data que todos os anos se repetiam neste dia, era o dia de Cinzas. Não era de grande ajuda para ela se lembrar disso.


Sexta feira pouco se importou, sempre ocupada e feliz, não ligava para qualquer consequência. E não fazia parte do mundo dela qualquer pensamento ruim, ou triste que seja. Sábado, tão influenciável, foi na onda da amiga e também não mexeu uma palha para tentar ajudar. Os dois continuaram a fazer o que faziam melhor, curtir cada segundo para que o pobre do domingo desse um jeito na bagunça depois.


Da segunda ninguém soube, ninguém nunca sabe nada dela. Ela é do tipo que fecha a cara e faz o que tem que fazer. Na verdade, ela não é tão ruim, mas é da personalidade dela. A gente tem que entender que ela já pega a tristeza do domingo a noite, isso não deve ser fácil. O trabalho dela acaba sendo esse, ser chata e lenta. Mas no fundo eu acho que ela ficou preocupada com a situação.


Um mês se passou e tudo tinha se tornado uma completa anarquia. Os dias estavam com os humores alterados, ninguém tinha tempo pra nada, e cada semana que passava, tudo se parecia com uma eterna segunda feira. Que pesadelo. Fizeram uma reunião de emergência e resolveram que era preciso identificar a função da quarta. Era a ultima tentativa para que ela voltasse.


Uma palavra piscava na mente de todos: equilíbrio. Foi unanime, estava claro que esse era o objetivo dela. A chamaram, e ela finalmente entendeu sua missão no universo, deixar as coisas na perfeita sintonia, para que cada dia seja exatamente como tem que ser. Que belo objetivo, digno eu diria. Depois de algum tempo tudo voltou ao seu ritmo rotineiro e finalmente, todos foram felizes para sempre. Ou seja, até a próxima segunda feira.


domingo, 12 de janeiro de 2014

O bicho da gente

Olhei de manhã e percebi que ela tinha morrido. Foi um baque. Fazia um tempão que eu cuidava dela, eu tratei bonitinho, alimentei, dei carinho, pra ela morrer assim, de uma hora pra outra. Não dá pra confiar em nada mesmo, uma vida inteira pra manter intacta uma dor antiga, tantas tentativas da vida em separa-la de mim e agora, ela morre. Assim do nada.

Pensando bem, acho que a culpa foi minha. Essas coisas precisam de atenção pra durar, e nas últimas semanas eu fui um tanto quanto negligente com ela. Foi difícil conciliar a minha vida feliz com as dores do passado. Eu deixei muitas delas morrerem, não fiquei frustrada por isso, nem sinto mais que algum dia elas estiveram aqui. Mas sempre tem alguma ferida que a gente deixa ali, pra cutucar nas tardes de domingo. Pra fazer os olhos transbordarem no meio do filme de drama. 


Peguei as fotos, os presentes, liguei a musica que sempre me fez lembrar com intensidade de cada pedacinho doloroso, e nem sinal. Eu sabia, e você sabe. Ela morreu. O estranho é a gente sempre tentar fazer ela ficar, tentar juntar os restos mortais e fazer ela sobreviver. O motivo? A dor é um lembrete de que nem tudo são flores. Quando ninguém está olhando, somos um bando de medrosos, e desde que o mundo é mundo, o maior dos nossos medos sempre foi sofrer. Que ironia, mantemos uma dor pra tentar não fazer doer de outro jeito. 


O fato é que sempre lidamos melhor com aquilo que conhecemos. É mas fácil lembrar daquele rosto. É mais simples chorar pelos mesmos motivos, as mesmas flores. O mesmo beijo falso tem um sabor que já nem dói tanto assim. É só uma pontinha na alma que é tranquila de suportar. 


Sei que não sou a unica louca/descompensada/deprimente que pensa desse jeito, o mundão lá fora está lotado de pessoas alimentando suas lembranças tristes, só pra servir de sensor. Quando a vida começa a ficar boa demais, as luzes lá dentro piscam e ela grita pra você ter cuidado. Mas chega uma hora que não dá mais, a felicidade ocupa tanto espaço no miocárdio que não sobra um cantinho sequer pra coitada da dor. E ela acaba morrendo, assim mesmo, do nada. 


A melhor parte é que não há nada de errado em sentir medo. O problema começa quando nos prendemos de tal modo nesses sentimentos que não abrimos espaço pra novas experiencias. Dores são parte da vida, mas não tente domesticá-las. Elas são selvagens demais pra isso, e no fim, você que vai acabar sendo o animalzinho da história.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Fatalmente (parte 2)

Acordei com um puta mal humor na segunda feira. Típico. Nem ajeitei o cabelo, fui trabalhar no modo zumbi. Coloquei um casaquinho triste que minha vó deixou lá em casa outro dia, não que minha vó use coisas tristes, mas ela tem 80 anos, não quer arrasar na pista, só quer ficar quentinha, e pra falar a verdade eu também não estava preocupada com qualquer outra coisa. Minha visão de manhã é turva sabe, não é uma desculpa boa pra sair por aí parecendo uma mendiga, mas enfim, não era um dia daqueles que eu iria olhar no espelho e me convencer que sou a criatura mais bonita da cidade.

Pra combinar com o dia ruim, meu carro deu problema e precise deixar no mecânico sendo forçada a andar quatro quarteirões pra chegar no trabalho a tempo. Com um copo de chá gigante na mão, o celular na outra, a bolsa escapando do meu ombro, e o cabelo se soltando do coque, vi o Daniel virando a avenida com o fone nos ouvidos balançando o corpo de leve no ritmo de algum mbp (imaginei), me fez lembrar da primeira conversa que eu tive com ele. Fui ouvir as versões que ele me indicou na mesma noite e acabei gostando, que feitiço era esse que fazia a garota desencanada parecer uma adolescente apaixonada? E apenas nos 15 minutos do primeiro tempo. Era muito cedo pra eu estar me encantando, logo eu.

Olhei pro chão, tentando não encara-lo, mas poxa vida, por que diabos ele tinha de estar tão bonito?Enquanto eu, parecia ter saído de um campo de refugiados da 2º guerra.

- Larissa? Ei, eeeeeei! - ah ótimo, ele me viu.
- Ei! Oi Dani!- é, eu apelidei um cara de um metro e noventa que conheci a duas semanas.
- Como você tá? E sua amiga, Livia o nome dela né? Ela melhorou?
- Eu tô legal, a Livia? Ah sim, tá otima! Ela sempre faz aquilo...E você? Indo pro trabalho a pé também?
-É, não consegui comprar um carro ainda, com a mudança ficou tudo tão maluco.
- Acho que eu entendo.
-(...)

O temido silencio invadiu o espaço. Meu cabelo se soltou totalmente, e a bolsa dependurou no meu braço, e eu fiquei toda torta tentando pegar um coisa e ajeitar a outra ao mesmo tempo no meio da rua. Ele riu, e se ofereceu pra me ajudar. Pegou meu copo, o celular e a bolsa, e tirou uma mecha de cabelo do meu rosto com os dedos, eu tentei levar tudo na maior naturalidade, mas ele era gentil demais, não consegui conter um suspiro. Ele sorriu de canto, esperou eu fazer uma trança bagunçada e me devolveu a bolsa o celular e depois de dar uma golada do meu chá jogou o copo fora.
- Mulheres de verdade tomam café.- Olhei com meiguice e respondi em tom adolescente -Mas eu sou só uma menininha!
Ele me olhou nos olhos e enroscando meu braço dentro do dele, me respondeu com firmeza:
- Eu sei que não é.

Chegamos juntos no trabalho despertando o tititi alheio. Eu conseguia ouvir os burburinhos pelos corredores: " Você viu a Larissa da publicidade? Já pegou o novato de sistemas." Gente que não tem o que fazer fala o que não precisa ser dito. Daniel era bom demais pra ficar no meio do falatório da empresa. Tentei ignorar e fazer o meu trabalho. O dia passou depressa, assim como a semana. Era sábado de novo e eu não o tinha encontrado desde da manhã de segunda. Livia mexeu uns pauzinhos e descobriu que o setor dele tinha ido pra um curso fora da cidade. Aproveitei o tempo pra deixar a mente solta, tentar alimentar meu blog deserto. Fazia tempo que não escrevia, e de algum jeito a presença do Dani me inspirava. Fui pra frente da tela e inventei alguns parágrafos. Escrever sempre me alivia.

Domingo resolvi ir andar de bicicleta no parque com a Livia, odeio me exercitar, mas aquele lugar era realmente bonito e no fim das contas eu acabava sempre me divertindo. Logo que chegamos descobri que Livia no fundo era uma amiga horrível, tinha me levado pra um encontro quase as cegas.Daniel já estava me esperando. Nem a vi indo embora, só fiquei me equilibrando entre o constrangimento e a felicidade.

-Compre um sorvete e ganhe o sorriso mais bonito da cidade, só hoje moça, promoção imperdível!
-Não moço, coisas muito cobiçadas não me agradam não- falei contendo o riso.
- Mas não aceitamos devolução!
-Que roubo, eu nem comprei o sorvete!- ele chegou mais perto, e sussurrou:
- Mas o sorriso já é seu...

Cedo demais pra beijar alguém no meio do parque. Cedo demais pro coração saltitar dentro do peito. Era cedo? Não, já era quatro da tarde pra falar a verdade. E já era quase um amor também. Mas no meio do beijo o quase enroscou num gosto de felicidade inacreditavelmente bom, e eu tive certeza. Pro meu bem ou pro meu mal tive certeza e só amei. Eu só amei.

(Continua)
Parte 1

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Monólogo de dois

A primeira vez que a vi, eu estava no palco tocando Legião com os meninos em um bar aqui do centro. Ela estava sentada com mais duas garotas, lembro de cruzar os olhos algumas vezes com aquele olhar sereno. Tocamos em bares pela cidade inteira, e é claro que não era a primeira vez que uma garota que me dava moral, então, só sorri e continuei fazendo o meu trabalho. Tocamos mais duas musicas e fomos pra um intervalo, quando voltamos, tinha um guardanapo de papel com um pedido que dizia: " Guitarrista, por favor dedique Ainda é cedo pra garota de cabelos enrolados na mesa 02, ela ama essa música." Nós homens somos instintivamente competitivos, então eu procurei a garota pelo bar e a vi. Quando anunciei no microfone o pedido e começamos a tocar, entendi por que alguém dedicaria essa musica á ela. Deus, ela fica absurdamente linda cantando e dançando, mesmo que tentando imitar o Renato Russo rodopiando de um lado pro outro. Cheguei a tropeçar na letra, ela me olhou com reprovação, riu e gritou um pouco mais alto a ultima parte do refrão. Eu queria poder respeitar o cara que pediu a musica, mas ela não merecia esperar nem mais um segundo pra ouvir o quão encantadora era. Então, desci do palco e fui até lá, começamos a conversar e eu acabei descobrindo que amaria cada segundo que passaria ouvindo o seu riso, o som mais doce que pude ouvir até hoje. Foi a melhor noite da minha vida.

...

Fomos comemorar o aniversário da minha melhor a amiga no Strokes, nós amamos aquele lugar. Ficamos sabendo que a banda do guitarrista de voz doce ia estar lá, eu fiquei muito animada, ouvimos eles tocando duas ou três vezes, eles eram incríveis. E eu, estava certa que aquela noite iria chamar a atenção dele, sei lá, botei na cabeça que ia seduzir o cara e quando isso acontece, ninguém me segura. Ele era artista, eu eu tava afim de me divertir um pouco, sem expectativas ou cobranças, só uns bons beijos numa noite de sexta. Caprichei no visual e fomos, quando chegamos eles estavam tocando Legião. Tive que me conter pra não entrar no bar dançando loucamente, Legião mexe comigo cara. Papo de garota na mesa e eu usando o meu melhor olhar em direção ao palco, eu sou boa nisso, mas era um bar, e bares estão cheios de garotas com olhares sedutores. Quase uma da manhã e eles ainda não tinham tocado Ainda é cedo, e o guitarrista tinha me encarado poucas vezes. Não ia ser uma noite perdida, não comigo baby. Se eu não ia dar uns amassos no bonitinho, não merecia ir embora sem ouvir a minha música. Dediquei á mim mesma a melhor canção já escrita, se eu não achar que mereço quem vai? Soltei minhas feras e me entreguei na pista exalando o meu eu, torta e desengonçada dançando rock. Quando a musica acabou, eu o vi vindo na minha direção, cabelo bagunçado, barba por fazer. A perfeita visão do paraíso bem na minha frente. Puxou conversa, e conforme ele ia falando eu queria ouvi-lo mais e mais. Me esqueci que o foco era a pegação, e não o coração e deixei cada palavra ir se aconchegando dentro do peito.  Não foi ali que descobri que o amaria, no momento eu só queria conter a briga interna que lutava entre querer escutar o que ele falava e beijar a boca dele.  E depois eu só soube agradecer pela coisa mais bonita que pode acontecer com alguém. Amar. Foi a melhor noite da minha vida.