quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Elevador


Morei no interior desde que me conheço por gente, andando descalço na grama e na terra, sentindo a vida na pele. Meus pais me educaram da melhor forma possível, me guardaram dos perigos, mas deixando crescer minhas asas. E quando elas já eram grandes o suficiente eu voei dali. Terminei os estudos, passei em um vestibular que encheu minha cabeça por um ano inteiro. Peguei minhas coisas, disse adeus e fui pra Curitiba.

Sonhei minha vida inteira em ser jornalista, a profissão me encantava e o fato de ter que sair do fim de mundo que eu morava pra trabalhar e estudar, era no minimo, bom de imaginar. Comprei um flat miserável no centro daquela cidade limpa demais pra ser capital, e trouxe toda a minha bagunça, me ajeitei do meu jeito e comecei o curso.

Depois de dois meses eu estava estagiando em um jornal muito conhecido no estado, aquilo era um orgulho pra mim, e pra minha família. O curso ia bem, minha notas eram ótimas e os professores sempre me diziam que eu tinha futuro. O trabalho era perto de casa, em um prédio azul marinho, no 23º andar. Essa era a unica coisa ruim. Desde pequena eu tinha pavor de elevadores. Começou depois de um filme que eu vi quando tinha 7 anos, era sobre um assassino que atacava, é claro, dentro de elevadores, ele fazia alguma coisa pro elevador dar pane e parar, e aí atacava. Enfim, eu me sentia ridícula por me benzer cada vez que apertava o botão pra chamar o elevador.

Era um prédio comercial, o jornal que eu trabalhava ocupava dois andares, e nos outros eu não fazia idéia do que havia. E não me importava. Até aquela terça feira. Eu estava tão atrasada( maldito despertador de coruja que sempre estava parado) que entrei correndo pela porta do prédio e gritei pro carinha que estava dentro do elevador segurar a porta. Eu entrei sem nem olhar quem era, como era, e esquecendo completamente do meu ritual diário antes de entrar naquele cubículo.

Lindo dia pra um curto circuito. Luzes piscando, solavancos, suor frio, lagrimas, e enfim gritos de desespero. Sentei no chão socando a porta. Medo de morrer, medo do assassino daquele filme antigo, medo da vergonha que sentiria depois. Abraço apertado. Voz calma. Calma, calma. Tá tudo bem. Começou a desacelerar meu coração. O suor frio virou frio na barriga. Que alvoroço de sentimentos foi esse? Não entendi nada, só queria continuar naquele colo. Mais um solavanco. Foi demais pra mim. Apaguei.

Abri os olhos com todas as mulheres do meu setor ao meu redor. Me abanando. Levantei meio zonza. E a primeira coisa que fiz foi perguntar sobre o carinha do elevador. Ninguém soube informar. Disseram que ele me trouxe no colo quando resolveram o problema do curto circuito, e me deixou no sofá da recepção quando vieram ficar comigo até eu acordar.

Depois disso superei meu medo. Encontrei em um lugar apertado e escuro, um carinho desconhecido e amável. Passei a gostar de elevadores. Nunca soube quem era o tal cara. Minha mãe quis saber quem salvou sua garotinha, e meu pai queria falar com ele pra ver quem era o sujeito. Mas ninguém mais do que eu queria agradecer á ele. E depois pedir o telefone, marcar em um café, bater um papo e começar uma amizade, que talvez virasse alguma outra coisa depois.

Olho pra todos os rapazes de 1,80 que encontro pelos corredores e elevadores desse prédio azul. Tento encontrar  bondade dentro dos olhos deles. Mas é difícil. Eu só ouvi a voz da bondade. E só ouvi uma vez, até hoje de manhã. Quando o bendito despertador de coruja parou de novo e me fez gritar pra alguém segurar a porta. Apressada eu entrei, e quando a porta fechou, eu ouvi uma voz calma dizer: " Se tiver um curto circuito, promete não gritar? Meus ouvidos estão doídos até agora." Olhei pra trás, e disse um obrigado gigante com um sorriso de brinde.

Mais tarde tenho um compromisso no café da esquina. Um começo de amizade, e outras coisas também. Vou demorar pra chegar por que estão colocando espelhos no tal cubículo que me assustava. Me disseram pra usar as escadas, mas eu quis esperar, sabe, prefiro elevadores.

2 comentários:

  1. Escreve muito bem, prende o leitor do começo do texto até o fim. Parabéns!

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    1. Brigada! Os outros textos do blog são de minha autoria tbm, se quiser leia-os tbm ; )

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